José Avillez. Homenagem à geografia, história e influências multiculturais portuguesas

Como está? Como definiria o momento em que se encontra atualmente pessoal e profissionalmente??É um bom momento, é um momento de avaliação e de consolidação. Os últimos dois anos foram intensos, houve o retomar da actividade após a pandemia e a preparação de aberturas de novos projectos, como é exemplo o Encanto e o Maré. O Encanto é um espaço muito especial, serve um menu de degustação vegetariano. No mesmo ano em que abrimos, o Encanto foi distinguido com uma estrela Michelin, o que nos enche de orgulho. E foi o primeiro restaurante vegetariano a receber esta distinção na Península Ibérica. O Maré é um espaço único em Cascais, tem uma localização extraordinária, em cima do mar, e uma boa cozinha e um bom serviço. São já vários os clientes habituais, o que nos deixa muito contentes.

É o chef português com mais estrelas Michelin (quatro no total). É claro que o chef atingiu um nível excecional no mundo da gastronomia. Como é que este reconhecimento influencia a sua forma de ver o futuro e os seus projetos atuais?Deixa-me satisfeito e grato. Porém, o caminho não se altera, há é uma maior certeza de que estamos no caminho certo e a fazer um bom trabalho. As estrelas Michelin são um reconhecimento importante tanto para mim, como para a equipa e para quem nos visita. Gostamos de evoluir continuamente e de pensar de que forma podemos fazer melhor.

Caril verde © Encanto

O restaurante Belcanto é o projeto mais icônico da sua carreira. Como evoluiu desde a abertura, onde está agora e qual é a sua visão para o futuro do restaurante?
O Belcanto é o espaço que melhor expressa a minha evolução enquanto cozinheiro e conta com uma equipa muito talentosa e dedicada. O Belcanto tem evoluído muito, a todos os níveis. Só em termos da reorganização do espaço foram várias as mudanças que fomos fazendo desde que o Belcanto abriu e, em Junho de 2019, mudamo-nos para a porta ao lado, para um espaço maior que foi transformado para termos condições ainda melhores. Mais do que um restaurante, o Belcanto é um lugar que procura dar a conhecer Portugal. Gostaríamos de impulsionar a evolução do património gastronómico, jamais esquecendo o passado, e elevando a cozinha portuguesa a um lugar ainda mais relevante, a nível internacional, no futuro.

O Belcanto continua a ser o seu principal projeto em Lisboa. Como equilibrar tradição e inovação na sua cozinha para manter a excelência que tanto o caracteriza como chef?
O Belcanto oferece uma viagem gastronómica completa que começa na geografia, na história de Portugal, envolve todos os sentidos e culmina num despertar do interesse pela cultura portuguesa. O Belcanto, além de homenagear a geografia, a história e as influências multiculturais, preserva os sabores tradicionais, aplicando o seu saber e criatividade para oferecer uma interpretação contemporânea.

Com a abertura do Encanto, o primeiro restaurante vegetariano com estrela Michelin em Portugal, como tem sido a receção do público e que desafios tem enfrentado na criação de uma experiência culinária completamente baseada em vegetais?
A reação tem sido óptima. A verdade é que é um menu muito bem estruturado e surpreendente e criativo, tanto a nível visual, como em termos de sabores e de texturas. São várias as pessoas que marcam um segundo jantar logo após o primeiro. O chef Diogo Formiga e a sua equipa de cozinha e de sala têm feito um óptimo trabalho. O desafio é acompanhar a sazonalidade e manter o nível de criatividade e de interesse. 

José Avillez © Tasca Dubai

O restaurante A Tasca (Dubai) marca a sua presença internacional. Como consegue fundir a essência da cozinha portuguesa com influências internacionais neste projeto?
A presença internacional é feita através da Tasca, no Dubai e através do Mesa, em Macau. A multiculturalidade é um traço distintivo da cultura portuguesa. Desde muito antes da fundação de Portugal e até ao dia de hoje, o território português foi habitado por diferentes povos. A expansão marítima do século XV reforçou as influências multiculturais. O êxito da expansão marítima trouxe diversas influências culturais de diferentes partes do mundo para Portugal. Os marinheiros portugueses trouxeram especiarias, novos ingredientes e diferentes técnicas de preparação que enriqueceram a gastronomia do país. A introdução de ingredientes como pimenta, cravo, canela, gengibre e noz-moscada transformou a cozinha portuguesa numa fusão de sabores.  E é de notar que, ao longo da história, Portugal tem sido um país tanto de emigração como de imigração. Cada um dos povos e cada uma das comunidades deixou a sua marca em vários aspectos da cultura portuguesa, nomeadamente na gastronomia. Levar a cozinha portuguesa até ao Dubai e até Macau é um privilégio e uma forma extraordinária de dar a conhecer a cozinha portuguesa, de conhecer os gostos locais e de reforçar as influências multiculturais.

Vamos falar da sua nova herdade no Alentejo. Como é que a experiência culinária é integrada na “Casa Nossa” e quais elementos únicos que ela oferece aos hóspedes?
A Casa Nossa é um projecto muito especial, é uma propriedade para alugar por inteiro, na margem do Alqueva e com vistas espectaculares. O melhor da Casa Nossa é a beleza natural, o conforto e a privacidade. O serviço é muito simpático, atento e discreto. A propriedade pode receber confortavelmente até 20 pessoas e a cozinha é também um elemento distintivo. A cozinha é de inspiração portuguesa e sempre que possível privilegiamos a filosofia farm-to-table. A ideia é dar a conhecer alguns dos bons sabores do Alentejo, região onde está a casa Nossa, e alguns bons sabores portugueses. 

Fly me to the Moon © Belcanto

A cozinha portuguesa tem sofrido uma evolução significativa nos últimos anos. Na sua perspetiva, como descreveria esta mudança e qual é, na sua opinião, o papel da cozinha portuguesa no panorama gastronómico mundial?
A cozinha portuguesa é extraordinariamente rica e interessante:  diversidade geográfica, património histórico, multiculturalidade secular, três traços distintivos. E múltiplas e variadas cozinhas regionais combinam todos estes ingredientes. Numa época em que tudo viaja rápido -  informação, conhecimento, produtos…- o que de facto distingue os restaurantes é a identidade. Temos um património muito rico e uma identidade única, com valor histórico, geográfico e cultural. Gostaria de ver a cozinha portuguesa a ganhar um reconhecimento ainda maior a nível internacional.

A qualidade do produto é fundamental na sua abordagem culinária, como pode ser visto no restaurante Maré, por exemplo. Como seleciona os ingredientes para os seus pratos e qual a importância de trabalhar com produtos locais e sazonais?
A qualidade dos ingredientes é fundamental. Num espaço como o Maré que dá destaque ao bom marisco e peixe português - que acredito serem os melhores do mundo - a qualidade e a frescura  são  fundamentais para conseguir o sabor pretendido. Somos criteriosos com a escolha dos produtos e dos fornecedores.

Restaurante Maré © José Avillez

Como chef com uma carreira de sucesso, como vê a responsabilidade de liderar e ser uma referência no panorama gastronómico português?
Procuro ser um bom embaixador da cozinha portuguesa, promover e dar a conhecer a nossa cultura, bem como abrir portas a outros chefs.

Finalmente, você poderia partilhar connosco algum projeto futuro empolgante em que esteja a trabalhar atualmente?
De momento, o objectivo é mesmo consolidar. E, se possível, contribuir para dar mais visibilidade ao serviço da sala, ao reconhecimento geral da sua importância.