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António Nobre, Degust’AR Lisboa. O guardião dos sabores mais autênticos do Alentejo

António Nobre, Degust’AR Lisboa. O guardião dos sabores mais autênticos do Alentejo

António Nobre © ffmag

Descobriu a sua paixão pela cozinha por acaso, enquanto fazia o serviço militar na Marinha Portuguesa. O que começou como uma forma de evitar tarefas menos agradáveis, transformou-se no motor da sua vida e levou-o a converter-se num dos máximos expoentes da cozinha alentejana. Desde a sua terra natal, Beja, até ao seu destacado papel como chef do restaurante Degust’AR Lisboa, António Nobre combina tradição, inovação e um profundo respeito pelos ingredientes locais. Nesta entrevista, revela-nos os segredos do seu percurso e o seu compromisso para com a preservação e a reinvenção dos sabores autênticos do Alentejo.


 

Como surgiu a sua paixão pela cozinha?
A minha paixão pela cozinha surgiu de forma inesperada durante o serviço militar obrigatório na Marinha de Guerra Portuguesa. Para escapar a algumas tarefas menos agradáveis, como varrer pontas de cigarro ou fazer serviços noturnos, decidi fazer o curso de Cozinha. Mal sabia que essa escolha casual se transformaria numa paixão avassaladora e definiria o rumo da minha carreira.

Que memórias tem dos ensinamentos culinários da sua mãe e da sua avó?
As melhores memórias que guardo são os cheiros que, ao nascer do sol, se espalhavam por toda a casa, trazendo consigo o aconchego e o sabor de momentos inesquecíveis. Foi nesses dias que aprendi truques simples, mas valiosos, como o uso das ervas aromáticas secas, que concentram mais sabor e aroma do que quando frescas, e que são essenciais na minha cozinha até hoje.

De que forma a sua terra natal, Beja, influenciou a forma como entende a cozinha?
Beja, e o Alentejo em geral, influenciaram profundamente a forma como entendo a cozinha. Cresci rodeado pelos sabores locais, como azeite, pão, carne de porco, enchidos e ervas aromáticas, o que me ensinou a valorizar a simplicidade e a autenticidade dos produtos da terra. Essa herança cultural moldou a minha visão de que a verdadeira cozinha é feita com respeito pelos ingredientes e pela história, sempre com o objetivo de preservar e reinterpretar os sabores do Alentejo.

O que o levou a especializar-se na cozinha alentejana e o que significa para si defender os seus sabores?
A cozinha alentejana sempre fez parte da minha vida. Desde o meu primeiro curso de cozinha, a paixão por essa gastronomia só aumentou. Passei a procurar livros, a estudar, a conversar com as pessoas mais velhas das aldeias e montes do Alentejo, que guardavam um saber tradicional valioso. Dediquei-me a fundo a essa cozinha, aprendendo com mestres como os Irmãos Fialho, Maria Antónia Gois e Maria de Lurdes Modesto. Hoje, como confrade da Confraria Gastronómica do Alentejo e membro do Conselho Científico da Carta Gastronómica do Alentejo, sinto uma grande responsabilidade de preservar esses sabores autênticos.

Bochechas de porco

 

Sobre a sua visão da cozinha

Como descreveria a essência da cozinha alentejana para alguém que nunca a provou?
A cozinha alentejana é uma verdadeira celebração de sabores ricos e simples, mas marcantes. Mesmo aqueles que não gostam de coentros ou ervas aromáticas acabam por se render aos seus pratos, pois a gastronomia alentejana tem uma preparação simples, mas cheia de sabor, que cativa qualquer pessoa.

Qual a importância dos ingredientes locais, como o pão alentejano, as ervas aromáticas e o azeite, nas suas criações?
Sem o pão alentejano, as ervas aromáticas como os coentros, poejos e hortelã da ribeira, o azeite e o alho, eu não seria o chef que sou. Estes ingredientes são fundamentais para a cozinha alentejana e formam a base dos meus pratos, conferindo-lhes autenticidade e profundidade de sabor.

Como equilibra a tradição com a inovação nos seus pratos?
Acredito que tradição e inovação caminham sempre lado a lado. Para inovar, é essencial entender e respeitar a tradição, pois é a partir dela que podemos criar algo novo e genuíno. Quando inovo um prato, mantenho a essência da receita tradicional, adaptando-a de forma criativa, mas sem perder a sua identidade. Esse equilíbrio é o que me guia no processo de criação dos meus pratos.

Qual é a sua filosofia ao criar um menu ou um prato?
Vejo a cozinha de forma semelhante à filosofia: uma busca constante por equilíbrio. Primeiro, penso nas preferências do público e no que vai agradar ao paladar deles. A partir daí, exploro os aromas, sabores e texturas, sempre com o objetivo de criar uma harmonia entre eles. Também busco respeitar a tradição culinária, garantindo que os pratos que crio sejam autênticos, mas com um toque inovador.

 

Sobre o Restaurante Degust’AR Lisboa

O que o motivou a trazer a cozinha alentejana para Lisboa?
O desejo de partilhar com Lisboa o sabor autêntico da minha terra natal foi o que me motivou a trazer a cozinha alentejana para a capital. A culinária do Alentejo é rica em história, tradição e sabores únicos, e acredito que ela merece ser mais valorizada e apreciada fora do Alentejo. Ao integrar o Grupo M'AR De AR, vi uma oportunidade de promover a nossa cozinha, unindo a tradição com um toque contemporâneo, num ambiente que valoriza a autenticidade.

Qual é o maior desafio de adaptar a cozinha alentejana para um público mais amplo e diverso na capital?
O maior desafio é equilibrar a preservação da autenticidade dos sabores tradicionais com a necessidade de atender às expectativas de um público cosmopolita e exigente. A cozinha alentejana é simples, mas com sabores intensos e marcantes, como o azeite e o pão. Ao trazê-la para Lisboa, temos de adaptar alguns pratos para os tornar mais acessíveis, sem comprometer a sua identidade.

 Migas de espargos com lombinhos de porco. Cocinha alentejana. Degust'AR Lisboa

O que distingue a experiência gastronómica no Restaurante Degust’AR Lisboa?
A experiência no Degust’AR Lisboa distingue-se pela fusão entre a tradição da cozinha alentejana e uma abordagem contemporânea e criativa. Oferecemos pratos autênticos, com ingredientes locais e frescos, num ambiente sofisticado e acolhedor. A apresentação dos pratos e a harmonização com vinhos da região tornam a refeição uma experiência sensorial completa. O serviço de excelência também contribui para tornar a experiência ainda mais memorável.

Como escolhe os produtos que fazem parte das cartas do restaurante?
Trabalhamos com ingredientes de excelência, provenientes diretamente do Alentejo, como o pão fresco, as carnes, os enchidos, o azeite e alguns legumes. Esta ligação estreita com a nossa terra natal assegura a autenticidade e qualidade dos pratos. Também temos o privilégio de contar com o Mercado 31 de Janeiro, que nos fornece peixe fresco de alta qualidade e outros legumes, permitindo-nos complementar a nossa oferta com produtos frescos e cuidadosamente selecionados.

Que prato do menu recomendaria a alguém que quer conhecer a verdadeira essência do Alentejo?
Recomendaria a sopa de cação, as bochechas de porco e as migas de espargos com lombinhos de porco, que são pratos que representam verdadeiramente a essência da cozinha alentejana.

 

Sobre a sua carreira e visão pessoal

Qual foi o momento mais memorável da sua carreira até agora?
O momento mais memorável da minha carreira foi o elogio que Maria de Lurdes Modesto fez à minha sopa de cação, que foi partilhado nas redes sociais. Esse reconhecimento de uma referência da cozinha alentejana foi uma grande honra.

Como é que a sua cozinha evoluiu desde o início da sua carreira até aos dias de hoje?
A evolução da minha cozinha resultou de estudo contínuo, observação de outros profissionais e uma curiosidade constante. Cada experiência e cada prato que crio contribuem para o meu crescimento como chef.

Que conselho daria aos jovens que querem dedicar-se à gastronomia?
O mais importante é ter verdadeira paixão pela cozinha, ser humilde, trabalhador e estar disposto a fazer sacrifícios. Na gastronomia, não há feriados nem dias santos. A dedicação e o esforço contínuos são fundamentais para crescer e evoluir nesta profissão.

Como define o sucesso como chef?
Para mim, o sucesso é o resultado de trabalho persistente, humildade e honestidade. A dedicação constante, o compromisso com a qualidade e a integridade nas relações são os pilares de uma carreira sólida e de crescimento.

Salón comedor del restaurante Degust'AR Lisboa.

 

Curiosidades e anedotas

Tem algum ritual ou hábito especial antes de começar a cozinhar?
Não tenho nenhum ritual específico, mas sempre inicio o meu trabalho de forma focada e organizada.

Alguma vez teve uma experiência inesquecível com um cliente que provou a sua comida?
Sim, já tive várias experiências inesquecíveis, onde os clientes ficaram maravilhados com os sabores da minha cozinha e com a autenticidade dos pratos.

Qual é o seu prato favorito da cozinha alentejana, tanto para cozinhar como para saborear?
Açorda de bacalhau à alentejana é o prato que mais aprecio, pois reflete a simplicidade e a profundidade desta cozinha única.

 

Futuro e projetos

Que projetos ou objetivos tem para o futuro da cozinha alentejana?
Tenho em mente o lançamento de um novo livro de cozinha, reunindo receitas de chefs que estão a trabalhar em todo o Alentejo, com o objetivo de preservar e divulgar ainda mais esta rica tradição gastronómica.

Como sonha que seja lembrado o legado do Restaurante Degust’AR Lisboa?
Gostaria de ser lembrado como o cozinheiro guardião da cozinha alentejana, alguém que preservou e celebrou os sabores autênticos desta região.

Gostaria de explorar outras regiões de Portugal ou até levar a cozinha alentejana para o estrangeiro?
É um sonho de qualquer chef expandir os seus horizontes. Já tive a oportunidade de levar a cozinha alentejana por todo o país, incluindo as ilhas, e também a alguns países da Europa. A reação das pessoas é sempre de surpresa e admiração pelos sabores únicos da nossa gastronomia.

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