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Marlene Vieira e João Sá, equilíbrio dentro e fora da cozinha

Marlene Vieira e João Sá, equilíbrio dentro e fora da cozinha

Marlene e João © ffmag

Conheceram-se numa cozinha, e foi entre cozinhas que construíram uma relação que, 17 anos depois, deu como fruto uma filha e quatro sonhos concretizados em forma de restaurantes (Marlene, Sála, Time Out e Zunzum). Marlene Vieira e João Sá são um dos casais gastronómicos mais carismáticos ― e equilibrados ― de Portugal. Tanto na cozinha, como fora dela, o carácter nortenho de Marlene, a sua energia e a sua determinação, contrastam com a personalidade sonhadora e artística de João. Existe o casal perfeito? Depois desta entrevista, parece-nos que podemos afirmar que sim. 

 

Como se conheceram?
Marlene: Eu sou do Porto e o João é de Sintra. Conhecemo-nos na cozinha. Num hotel, quando trabalhávamos juntos, em 2005. Fomos crescendo juntos durante todos estes anos...

E, 17 anos depois, têm uma filha e quatro restaurantes juntos... 
Temos uma filha e quatro restaurantes, que são como mais quatro filhos, mas que dão muito mais trabalho do que os filhos. 

Qual é o segredo para terem conseguido cada um destes projetos?
João:
Acho que é preciso sentir cada um deles. A Marlene está mais no Zunzum, que é o seu projeto mais pessoal, eu estou mais no Sála. Estamos os dois presentes em tudo, ajudamo-nos muito...

Carbonara de choco e aipo

Carbonara de choco e aipo © Zunzum

Em que é que os vossos restaurantes se diferenciam?
Marlene: O Marlene é um restaurante gastronómico, um gastrobar e o Sála também é um gastronómico. O Mercado (Time Out) é um food corner com comida verdadeira portuguesa. Ali é possível encontrar comida verdadeira com muita qualidade. Eu trabalho sempre com qualidade. O João também, mas ele tem uma alma muito própria na cozinha. Eu trabalho a perfeição, o equilíbrio. Temos diferentes formas de trabalhar. A minha preocupação é agradar a muita gente. O João gosta mais de trabalhar para o seu próprio agrado, ele é um artista. A sua cozinha é mais pessoal. E no Marlene quero trabalhar mais a criatividade e a sensibilidade...

Marlene, como é a cozinha do João?
Marlene:
É uma cozinha multicultural. Porque ele é assim. Está muito aberto aos sabores do mundo. A sua família não é uma família típica portuguesa. Nasceram em Angola e ele foi criado com outros produtos e sabores, muito mais tropicais... Por isso, o gosto dele é muito diferente do meu, que sou do norte (e cresci com uma cozinha mais de legumes, carne, peixe, pão, azeite...). Eu e o João temos uma identidade completamente diferente na cozinha. 

João, como vê a cozinha da Marlene?
João: A cozinha da Marlene é sobretudo muito rica em sabor português. Mas eu gostava de destacar a sua maneira de estar na cozinha, como se comporta com as pessoas que trabalham com ela... Ela é muito melhor ao comando do que eu. 

Marlene: Como todas as mulheres... 

João: Eu oriento-me muito pela sensibilidade, a Marlene é mais de desafios, mais reta e muito mais direta. E acho que isso também se nota na sua cozinha. Ela tem também uma sensibilidade muito feminina, sem dúvida... Mas, sobretudo, acho que o que se destaca na sua cozinha é o sabor português, muito direto e algumas vezes muito simples.

Santola com caril Goês, pickles de raiz de aipo e ovas de salmão

Santola, caril Goês, pickles de raiz de aipo, ovas de salmão © Sala de João Sá

Marlene, como definiria o João numa palavra?
Sensível. 

João, como definiria a Marlene numa palavra?
Coragem. 

Como é ela fora da cozinha?
João: É difícil, porque quando temos quatro restaurantes com a nossa companheira, sem sócios nem mais ninguém, o restaurante é uma parte muito importante da nossa vida... Por isso mesmo, este ano tentámos não falar de trabalho em casa. Porque, com a pandemia foi tudo muito intenso. Mas diria que a Marlene é muito mandona (risos). 

Como é o João fora da cozinha?
Marlene: Ele é um sonhador. Um filósofo. Fala muito sobre o que gostava de fazer, mas nem sempre o faz. Somos muito diferentes. Eu sou mais de ação e ele está sempre a pensar no que vai fazer. Tem um turbilhão dentro de si. Eu não tenho medo de errar, porque sei que aprendo com os erros. Ele tem muito medo de se enganar. Complementamo-nos muito nisso. 

Como veem o futuro dos vossos restaurantes?
Marlene: Juntos, a cozinhar numa quinta com animais. Gostávamos de ter um pequeno hotel com um restaurante. Bom vinho... Mas juntos. Nós trabalhamos com o coração. 

João: Gostava de me imaginar no futuro a trabalhar em algo mais pequeno, num pequeno hotel de charme. Ter uma vida mais tranquila, cozinhar três dias por semana... Porque claro, quando temos 83 pessoas a trabalhar connosco, às vezes é difícil…

Nêspera, leite caramelizado e chocolate

Nêspera, leite caramelizado e chocolate © Marlene

E como lidam com o facto de terem tanta gente à vossa responsabilidade?
Marlene: Delegando e formando uma equipa. Porque todos os dias há problemas. E no fim é preciso assumir que há dias em que podemos resolver alguns, e outros em que não. 

Que desafios gastronómicos acham que Portugal deve enfrentar agora?

Marlene: Acho que o mais importante é que Portugal tem uma nova geração de cozinheiros que está a fazer algo mais do que cozinha portuguesa. Portugal é um país que sempre esteve aberto ao mundo, e não pode ser só bacalhau e azeite. É muito mais do que isso. Portugal é multicultural pelas suas origens e os portugueses têm de assumir isso e talvez ainda não o façam porque o que o turista procura em Portugal é bacalhau e peixe grelhado. E, muitas vezes, os cozinheiros dão aquilo que o turista procura...

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