Com duas estrelas Michelin na bagagem (restaurante Alma, Lisboa) Henrique Sá Pessoa é o cozinheiro português mais televisivo e reconhecido internacionalmente. Desde a consolidação de projetos em Londres e Amesterdão até à reabertura do seu emblemático restaurante em Macau, Henrique Sá Pessoa vive embrenhado numa agitada vida marcada pela criação de novos conceitos, viagens e desafios. Cozinheiro e empresário na mesma medida (embora ele continue a definir-se como um cozinheiro), não há dúvida de que o chef encontrou o segredo para fazer com que tudo em que toca se converta em ouro.
Como está? Em que momento se encontra agora, a nível pessoal e profissional?
Atualmente encontro-me num momento louco: ando a viajar, a consolidar os projetos internacionais (Londres e Amesterdão) e, com a reabertura de Macau, que tem estado fechado desde dezembro de 2020 e abriu em agosto deste ano. Tive de viajar muitas vezes e sempre que estou cá tenho a minha consultoría no Porto, com um restaurante gastronómico ao qual nos continuamos a dedicar plenamente, e também o Alma, o Tapisco, o Balcão e o Time Out Market…
A juntar a isto, também o meu novo programa de televisão, no 24 Kitchen, que estreia em janeiro. Por isso, foi um ano muito agitado. Agora acho que preciso de desfrutar. Porque só temos uma vida. Tenho uma filha e, hoje em dia, quero ter mais vida pessoal. Estar com os meus amigos, com a minha família... Às vezes é difícil encontrar esse equilíbrio. É um pouco duro, mas são fases da vida.
Como é que consegue dar resposta a tudo e continuar a consolidar o Alma, o seu projeto principal?
Quando começamos a ter projetos internacionais, no início, o mais importante é criar a base: as equipas, a filosofia... Por isso o princípio é a parte mais dura. É preciso conhecer o mercado, que as equipas nos conheçam e que surja essa química entre todos. Mas eu tenho uma equipa muito consolidada há muitos anos e também tenho uma estrutura própria de I+D, as formações... A parte importante quando estamos a criar novos projetos é a consolidação das equipas e pôr tudo a funcionar. Não há milagres. Os princípios são duros, porque temos de estar em todo o lado. Sentimo-nos como o Papa quando está a viajar, tentando que a nossa filosofia seja seguida como nós queremos.
Não há milagres. Os princípios são duros, porque temos de estar em todo o lado
Quantas pessoas trabalham em todos os seus restaurantes?
Para todas as marcas, nas quais tenho diferentes sócios, devemos ter uma equipa de cerca de 150-200 pessoas.
Dá vertigens pensar que tanta gente depende dos seus projetos?
Sim. Tento não pensar nisso, porque é uma pressão muito grande. Procuro ver-me como um mestre que dá as coordenadas. Tudo depende do que fazemos entre todos. E é importante confiar nas nossas equipas, na nossa cozinha... e criar uma marca que agrade. Atualmente, o mais difícil na restauração é a consistência. Que o cliente apareça um dia para comer em Londres, em Macau ou em Portugal e que a experiência, embora seja diferente (porque cada restaurante é distinto), revele o mesmo selo de qualidade. Que vir a um restaurante de Henrique Sá Pessoa seja sinónimo de que se vá comer bem. E conseguir essa consistência é o que é verdadeiramente complicado, porque cada país é diferente. Acho que o segredo é ouvir muito o cliente e transmitirmos a nossa filosofia à equipa.
Empresário ou cozinheiro?
Há dois tipos de cozinheiros: o cozinheiro que tem um restaurante e dedica toda a sua vida ao restaurante, está na cozinha todos os dias, é criativo, tem a sua equipa... Houve um momento em que pensei se queria ser esse cozinheiro ou se queria fazer mais. E, quando queremos fazer mais, temos de ter uma visão mais estratégica e mais fora da cozinha. Agora também sou empresário, mas continuo a ser um cozinheiro, embora no meu dia a dia, a tarefa de cozinhar seja muito menor do que antes. Porque aquilo de que realmente me encarrego é da parte de criação de pratos e conceitos.
Tem saudades da vida num restaurante pequenino e dessa parte mais «romântica» da cozinha?
Sim, mas acho que isto depende muito de cada pessoa. Não me faz feliz estar 12 horas num restaurante. Fez-me feliz durante um tempo, mas não queria isso para toda a minha vida, é demasiado monótono para mim. Hoje em dia, o que me faz feliz é criar conceitos e formar equipas. Abrir caminho para a próxima geração e consolidar a marca Portugal. Fazer com que a cozinha portuguesa seja conhecida em todo o mundo. Por outro lado, o Alma está sempre no meu coração. Temos de pensar que, quando queremos fazer algo mais, temos de ter a nossa marca, essa que nos abriu as portas para tudo o resto. Se o Alma morresse, tudo o resto morreria também. É importante que o Alma seja o meu projeto principal e o meu coração. Ainda me considero uma pessoa muito presente fisicamente. O que mais me motiva é estar ali na cozinha, falar com os clientes...
Hoje em dia, o que me faz feliz é criar conceitos e formar equipas
Atualmente, tem restaurantes de todo o tipo, desde gastronómicos, até fast casual. Qual é o denominador comum da marca Henrique Sá Pessoa?
Acho que um cozinheiro tem de saber fazer um prato de 5 e de 75 euros. Porque há boa cozinha e má cozinha. Mas há muitos cozinheiros que se centram apenas na alta cozinha e nunca querem fazer algo fora disso... Eu comecei ao contrário: com conceitos que não eram tão de alta cozinha e, aos 40, chegou a minha primeira estrela Michelin. Acho que o mais importante é sabermos a qualidade que queremos na nossa cozinha, começando pelo produto e a equipa. Se não tivermos uma equipa motivada e bem formada, não vamos a lado nenhum. No meu caso, o facto de nos centrarmos na qualidade nota-se no sabor dos pratos. E, a partir daí, podemos fazer desde hambúrgueres até cozinha asiática, de fusão, alta cozinha, cozinha conceptual... Temos de centrar os nossos valores na qualidade, no sabor e no ambiente... E com isso vamos poder criar todo o tipo de conceitos.
É o cozinheiro português mais televisivo e reconhecido a nível internacional. Como é que se sente com isso?
Já apareço na televisão em Portugal há muitos anos. E, claro, aqui já é difícil ser anónimo. Nos últimos anos, depois das estrelas Michelin e dos restaurantes, sinto que também me conhecem em alguns lugares fora de Portugal. Mas acho que não sou o único. Por exemplo, o José Avillez também. Mas é verdade que ainda há poucos chefs com um certo reconhecimento internacional. E é uma responsabilidade, mas tento continuar a fazer aquilo que me entusiasma: motivar a próxima geração e abrir as portas àqueles que vêm a seguir.