No ano passado, os prémios Mesa Marcada de melhor chef e melhor restaurante foram para João Rodrigues, sendo o terceiro ano consecutivo que os recebe. Na origem desta classificação esteve a consolidação do projeto que chefia no Feitoria, do hotel Altis Belém, em Lisboa, onde dá particular destaque aos ingredientes num menu que batizou como Matéria. Trata-se de um trabalho mais amplo e ambicioso com outros chefs e produtores.
Nunca quis ser cozinheiro, nunca pensou em cozinha como uma profissão, não tinha ninguém ligado à cozinha profissional na família. Mas afinal, como nasce um chef? Vindo da área de química onde ambicionava ser biólogo marinho, João Rodrigues tem uma grande proximidade com a natureza e em especial com o mar. Em casa sempre teve a sorte de ter bons produtos porque o pai era caçador e pescador e gostava muito de cozinhar. João Rodrigues realça que o gosto pela cozinha nasceu da vontade de estar à mesa e de comer “acima de tudo por isso e foi essa paixão crescente que me fez pensar em cozinhar”. Isto em 1999, época em que ser cozinheiro não era uma profissão bem vista em Portugal. Estava associada às pessoas que prestavam o serviço de confecionar refeições, e os clientes não estavam minimamente interessados no que se fazia daquela porta para dentro. “Em Portugal acho que sempre foi assim e na altura era assim” afirma.
“Não havia o lado todo mediático nem carismático que há hoje mas havia um lado romântico e eu fui atrás desse lado”
A paixão pelo mar sempre o definiu e foi um pouco atraído por esse impulso. A ideia de que os cozinheiros viajam muito e experimentam diferentes culturas atraiu o chef. Ficou a viver sozinho com os irmãos aos 17 anos e cozinhava em casa, na altura vivia com uma ideia muito romantizada de ir aos mercados comprar os ingredientes sem ter sequer conhecimento do enorme mundo que podia ser a cozinha. Isto foi o empurrão para ir à escola de hotelaria para se inscrever. Quis o acaso que aquele fosse o último dia de inscrição, ou era ou não era. João agarrou a oportunidade. Formou-se em cozinha e pastelaria na Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa com 21 anos. À medida que foi fazendo o curso, foi descobrindo o que é isto da cozinha profissional e diz ter encontrado “um sistema altamente hierárquico, uma grande disciplina, uma ideia um bocadinho militar naquilo que encontrei na escola, as fardas todas iguais e rigor nos horários”.
Estagiou no Hotel Sheraton, no Hotel Ritz e trabalhou no Hotel Lisboa Plaza. Ganhou o prémio de melhor aluno de cozinha e entrou para o curso de Produção Alimentar na Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril.
No restaurante Feitoria o que se pretende é que, quem visite, sinta o cheiro da terra e a brisa do mar, “nós queremos passar emoção e ao mesmo tempo uma mensagem, cada pessoa tem a sua maneira de se expressar, tal como na musica em que temos muitos estilos para muitos gostos e cada um escolhe aquilo que quer. As pessoas que se deslocam ao Feitoria têm de perceber que estão no Feitoria, isto é, perceber que estão a sentir portugalidade estando lá dentro” explica. Aquilo que se pretende é ir buscar as raízes e isso é através de um ADN de sabor, ou seja, a típica comida caseira com aquele gosto especial. Neste espaço são servidos cerca 30 jantares por noite.
“A cozinha para mim tem que ser algo que manifeste alguma da nossa consciência, mas isso obviamente tem a ver com a personalidade de cada um”
À parte da cozinha, João Rodrigues tem quatro filhos, dedica-se muito à família, gosta de música principalmente tocar e ouvir Jazz e ganhou o gosto pela banda desenhada muito influenciado pelo irmão. Também gosta de desenhar, “coisas que me dão prazer fazer e coisas que estão diretamente ligadas à criatividade” descreve.
Há Matéria na cozinha
Em 2016 surge a ideia do projeto Matéria, para o chef do Feitoria, é preciso que chefs, produtores e produtos se unam. Dessa junção resulta a tal Matéria, um menu, projeto e futura plataforma gastronómica. Consiste em criar uma espécie de network entre chefs, produtores e produto e a ideia é correr o país todo à procura de pequenos produtores expondo-os à indústria. Isto vai fazer com que o produtor ganhe sustentabilidade no negócio, “porque os produtores hoje são pessoas que ocupam o nosso território e são ameaçados com as questões da desertificação, dos incêndios, da falta de jovens a interessar-se por estas áreas, os produtores são verdadeiros embaixadores da região” explica. É uma ferramenta onde é uma ferramenta onde atuais cozinheiros, atuais chefs podem criar conhecimento para que todos possam escolher com consciência.
Democratização da cozinha
Este conceito democrático tem duas vertentes, a primeira é de estratégia e organização que passa pelo crescimento das equipas. João Rodrigues nunca foi pessoa de querer estar em mais do que um sitio ao mesmo tempo, a questão é que nos dias que correm com a explosão mediática da cozinha, não há capacidade de produzir profissionais para isto tudo, o que o levou a pensar que o caminho seja a formação de profissionais, ou seja, ter um plano de rotatividade e crescimento sustentado e depois, a longo prazo, de crescimento de carreira para a própria equipa.
O outro lado tem a ver com chegar a um público maior, cozinhando a preços mais acessíveis, o que obriga a tentar fazer uma cozinha com a mesma ideia, contacto com o produtor respeitando sempre a ética do produto e tentar chegar a um público maior com uma cozinha mais acessível, mas com a mesma qualidade. “Democratização porque em vez de estarmos presos numa bolha quase elitista, abraçamos com a mesma filosofia um publico mais abrangente” destaca.
No topo da nova ala do Altis Avenida Hotel, nasceu o Rossio Gastrobar – uma sala de visitas aberta à cidade, com o cunho do chef João Rodrigues, numa veia informal e petisqueira. É um bar, um conceito diferente de um restaurante, um bar onde as pessoas podem ter uma refeição, tendo uma dinâmica de serviço muito mais simplificada com comida mais simples e alguns pratos tradicionais que lembram o Feitoria.
Para o ano será uma luta pela continuidade e consolidação de sucesso. Fazer sempre melhor e, quem sabe, levar o Feitoria além-fronteiras. “Chegar lá fora com a mesma mensagem que temos tido cá dentro” ambiciona o chef.